Uma gorda comendo uma pêra, descontando todos os seus duzentos quilos de frustração a cada mordida ansiosa, olhando com olhares preconceituosos aqueles três garotinhos modernos e gays, que na realidade mal sabem o que é que estão fazendo e para onde vão, só pensam em ser gays e fazer baladas e orgias no Atari, enquanto uma garota brinca com o zíper de sua mochila, porque não há nada melhor para fazer para aliviar sua ansiedade e sua tristeza. T-R-I-S-T-E-Z-A. Pobre garota, que já não é mais garota há tempos. Pobre garota. Ela ali, brincando com o zíper, e é possível fazer uma hipótese do que aconteceu na vida dela, só de olhar para os seus olhos grandes e enigmáticos, que jorram tristeza na mesma proporção do tamanho deles mesmos. E seus olhos estão tão perdidos… talvez por estarem procurando, procurando, procurando sem encontrar, e quanto menos se encontra, mais se procura. Assim mesmo, nessa lógica. A garota de olhos tristes, porém fortes, conta através deles que está à procura de uma certa alma que deixou por aí. Não sabe onde deixou, nem quando e como pôde deixar escapar de suas mãos. Ela cuidou com tanto zelo, deu tanto amor e carinho, tentou segurar com toda a sua força. Talvez não suficiente, porque aquela alma era muito forte, muito rebelde e não gostava que segurassem suas mãos assim, com muita força. Foi por isso. Foi por isso que alma saiu correndo quando todos estavam dormindo. Saiu correndo, mas disse que voltava. E a pequena garota saiu à procura da alma. Que não mais voltou. Que não mais foi vista. Que talvez exista apenas nas lembranças de um verão daquela pobre garota. E quando o inverno começar, seus olhos ficarão mais tristes ainda e o zíper da sua mochila se tornará seu melhor amigo nas noites de domingo de volta para casa.